quarta-feira, 7 de outubro de 2009

MITOS E VERDADES SOBRE O GOLPE DE ESTADO EM HONDURAS

Desde o dia 28 de junho de 2009, o mundo inteiro acompanha, perplexo, a mais uma “quartelada” (golpe militar) na América Latina. Como se não bastassem os anos de chumbo pelos quais boa parte da Região (inclusive o Brasil) teve de passar, bastou que o Presidente hondurenho Manuel Zelaya tentasse engendrar uma mudança na Constituição de seu país, com um intuito de se introduzir a reeleição no Ordenamento Jurídico-Constitucional do país, para que houvesse um pronunciamento militar, sob a regência de Roberto Micheletti, então Presidente do Congresso Nacional hondurenho, e com o respaldo da Suprema Corte e das Forças Armadas de Honduras.

O que se viu a partir daí foi um “show de horrores” político: um Presidente democraticamente eleito sendo retirado de sua residência, ainda trajando pijamas, e sendo expulso do seu país; o Presidente do Congresso Nacional assumindo, sob as (odiosas) bênçãos dos membros da Suprema Corte hondurenha, a posição de chefe de governo, sem a menos cerimônia por ter patrocinado um espúrio golpe de estado, e uma população dividida e perdida no meio de tanta demonstração de inabilidade política.

Alegam os defensores de Micheletti e seus amigos de farda que não houve um golpe de estado em Honduras. Afinal, a conduta de Zelaya, ao tentar “subverter” os preceitos constitucionais vigentes e encampar o instituto da reeleição consubstanciar-se-ia em uma afronta direta e inaceitável à Constituição hondurenha. Ademais, a atitude de se afastar Zelaya do Poder seria oriunda de um lídimo processo judicial, na qual oficiaram Procuradores de Justiça e Ministros da Suprema Corte legalmente investidos para o cargo. Dessarte, o fato de o Presidente ter sido retirado ainda trajando pijamas de sua residência e ter sido mandado para a Costa Rica “debaixo de vara” não passaria de um “pecadilho irrelevante”.

Gostaria de ponderar rapidamente sobre alguns desses pontos.

Segundo a melhor doutrina (inclusive na seara do Direito Internacional), para haver um processo, não basta a presença das chamadas "autoridades legalmente constituídas". É preciso que haja, antes de tudo, o direito ao contraditório e à ampla defesa. Isso segundo o próprio Tratado Internacional conhecido como a ConvençãoAmericana de Direitos Humanos ("Pacto de San José de Costa Rica"), da qual Honduras é país signatário. Veja o que dizem os itens do Art. 8º do Tratado Internacional em epígrafe (inserido no Ordenamento Jurídico brasileiro pelo Dec. Legislativo 678/92):

“Artigo 8º - Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
3. direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;
4. comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
5. concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;
6. direito ao acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
7. direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
8. direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;
9. direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e
10. direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.
11. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
12. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
13. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

É de bom alvitre salientar o tratamento jurídico dispensado pela Carta da República hondurenha aos Tratados Internacionais que seus agentes plenipotenciários venham afirmar em nome da Nação Hondurenha, in verbis:


"CAPITULO III

DE LOS TRATADOS

ARTICULO 15.- Honduras hace suyos los principios y prácticas del derecho internacional que propenden a la solidaridad humana, al respecto de la autodeterminación de los pueblos, a la no intervención y al afianzamiento de la paz y la democracia universales.

Honduras proclama como ineludible la validez y obligatoria ejecución de las sentencias arbitrales y judiciales de carácter internacional.

ARTICULO 16.- Todos los tratados internacionales deben ser aprobados por el Congreso Nacional antes de su ratificación por el Poder Ejecutivo.

Los tratados internacionales celebrados por Honduras con otros estados, una vez que entran en vigor, forman parte del derecho interno.

ARTICULO 17.- Cuando un tratado internacional afecte una disposición constitucional, debe ser aprobado por el procedimiento que rige la reforma de la Constitución, de igual manera el precepto constitucional afectado debe ser modificado por el mismo procedimiento, antes de ser ratificado el Tratado por el Poder Ejecutivo.

Antes que alguém questione, não há, no Ordenamento Jurídico hondurenho, qualquer ato legislativo suplantando o Pacto de San José, o que o torna plenamente vigente em território hondurenho. Ademais, veja o que preceitua a própria Constituição de Honduras, acerca dos princípios universais do contraditório e da ampla defesa:

"ARTICULO 94. - A nadie se impondrá pena alguna sin haber sido oído y vencido en juicio, y sin que le haya sido impuesta por resolución ejecutoriada de Juez o autoridad competente.

En los casos de apremio y otras medidas de igual naturaleza en materia civil o laboral, así como en los de multa o arresto en materia de policía, siempre deberá ser oído el afectado.”

Não é preciso afirmar que Zelaya não foi ouvido em juízo, e, de acordo com as normas internacionais (repito, ratificadas por Honduras) e às próprias normas do Texto Maior hondurenho atinentes às garantias processuais, sequer foi denunciado e não foi sentenciado. Dessarte, não tenho qualquer dúvida em asseverar que Manuel Zelaya foi deposto.

Não se trata de uma tentativa de se “ideologizar” o debate, até porque Zelaya, por ser um político caricato e pretensamente populista, não me agrada em nada. Não passa de um subproduto da política latino-americana que tanto envergonha os esquerdistas sérios desta região. Mas, a despeito da encenação perpetrada por Micheletti e seus "micos amestrados" das Forças Armadas Hondurenhas e da Suprema Corte daquele país, o que está ocorrendo em Honduras é mais um típico (e crasso) caso de "quartelada".

Mas, e como poderíamos resolver a questão da “afronta” ao Texto Constitucional hondurenho, que torna defeso, categoricamente, qualquer modificação na duração do mandato presidencial?

Bem, uma coisa é vedar a reeleição e outra coisa completamente diferente é autorizar uma deposição sumária de um Presidente que proponha mudanças no próprio Texto Constitucional. Vejamos outra esclarecedora lição conseguimos tirar do art. 218 da Constituição hondurenha:

"ARTICULO 218. - No será necesaria la sanción, ni el Poder Ejecutivo podrá poner el veto en los casos y resoluciones siguientes:

==============================================================

8. En las reformas que se decreten a la Constitución de la República;”

Podemos entender, através da preceituação do artigo supracitado, que a Carta Hondurenha admite mudanças em seu bojo. Porém, a mesma Constituição assevera, em seu art. 374:

“ARTICULO 374. - No podrán reformarse, en ningún caso, el artículo anterior, el presente artículo, los artículos constitucionales que se refieren a la forma de gobierno, al territorio nacional, al período presidencial, a la prohibición para ser nuevamente Presidente de la República (GRIFO MEU), el ciudadano que lo haya desempeñado bajo cualquier título y el referente a quienes no pueden ser Presidentes de la República por el período subsiguiente.”

Portanto, eis a simples interpretação de toda essa problemática situação de turbação jurídico - constitucional: a Constituição da República Hondurenha veda, categoricamente, que se mudem as regras atinentes ao mandato do Presidente da República (artículo 374). Todavia, não autoriza o afastamento, a prisão e, muito menos, a expulsão do Presidente ou do membro do Congresso Nacional que propuser tais mudanças. No máximo, que Zelaya fosse processado e sentenciado, com direito ao contraditório e a ampla defesa.

A proposição de mudanças na Carta hondurenha é autorizada, mas se tais mudanças ferirem as "cláusulas pétreas" da mesma Constituição, como, por exemplo, a proibição de reeleição para o cargo de Presidente da república, há que se tê-las por prejudicadas e, portanto, indeferidas por falta de requisito de inadmissibilidade. O que não há, nem no bojo da Constituição de Honduras e tampouco há no texto da Convenção de Direitos Humanos, é autorização para usurpação sumária e violenta do poder. O que está acontecendo em Honduras não passa de mais uma cretina demonstração de que a democracia na América Latina ainda está longe da consolidação.


Rio 2016: transparência ou bravataria política?

As declarações do Prefeito do Rio, Eduardo Paes, ainda em solo dinamarquês, de que a comissão responsável pela realização dos Jogos Olímpicos de 2016 iria criar um site nos moldes do “Transparência Brasil”, detalhando todos os gastos das obras realizadas, foram recebidas com festa por aqueles que, assim como eu, ainda se encontram indignados com a verdadeira “farra da gastança” ocorrida aqui, durante a realização dos últimos Jogos Panamericanos, em 2007.

Entretanto, um membro da comitiva que esteve junto com o Prefeito na comitiva brasileira em Copenhague, afirmou a esse blogueiro que o Prefeito já estaria sendo demovido desta ideia por seus próprios assessores e por “papagaios de pirata” associados a Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB)
Espero que, dessa vez, prevaleça a boa iniciativa aventada pelo Prefeito do Rio e que ele, que não costuma ter força política para caminhar com os próprios pés, possa ter um ato de coragem e cuidar da transparência nos gastos com o projeto Rio-2016.

Seção “Perguntar não ofende”:

Caso seja confirmada a exclusividade na transmissão dos Jogos Olímpicos de Londres/2012, pela Rede Record (que, carinhosamente, apelidei de “Recorja”, por motivos que já são públicos), qual será o posicionamento do COI (Comitê Olímpico Internacional)? Será que irão realmente entregar a exclusividade de um evento como a Olimpíada a uma emissora cuja média diária de IBOPE raramente passa dos 8 pontos na Grande São Paulo e que não tem qualquer tradição na transmissão de grandes eventos esportivos internacionais? Será que realmente o “dízimo recompensador” do Bispo Macedo já atravessou o Atlântico e já chegou á sede do Órgão máximo dos esportes olímpicos no mundo?

Momento “Alimentos para a alma”

Hoje, nosso alimento vem das mãos (ou melhor, da linda voz) de nossa eterna “Maricotinha”. Nesse vídeo da década de 70, Maria Bethânia dá uma apoteótica interpretação ao grande clássico de Chico Buarque, “Teresinha”. Definitivamente, mais um áureo momento de nossa pujante MPB.

Por hoje, acabou. Amanhã tem mais. Até lá!

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